O Despertar da Pele e da Alma: Por que Sensualidade é o Segredo que sua Psique Anseia Revelar




Nós vivemos em um mundo que sussurra e, por vezes, grita a palavra "sexo". Ela está nas músicas, nos filmes, na publicidade. Mas há outra palavra, mais antiga, mais sutil e infinitamente mais vasta, que muitas vezes se perde nesse ruído: sensualidade. Confundimos as duas, acreditamos que são sinônimas, mas ao fazer isso, deixamos de ouvir um chamado profundo da nossa própria alma.

A psicologia profunda, especialmente a senda aberta por Carl Gustav Jung, nos oferece um mapa para redescobrir essa terra esquecida. Ela nos convida a entender que, enquanto a sexualidade é uma porta, a sensualidade é o palácio inteiro. Uma é um ato, um instinto poderoso e vital. A outra é um estado de ser, uma forma de comungar com a vida em sua totalidade.

A Melodia dos Sentidos: O Que é, Afinal, a Sensualidade?

Esqueça por um momento a ideia de sensualidade como mera ferramenta de sedução. Em uma linguagem junguiana, a sensualidade é a linguagem da alma se manifestando no corpo. É a capacidade de estar presente e de se relacionar com o mundo através dos cinco sentidos de forma plena e consciente.

É a sensualidade que nos permite sentir o calor do sol na pele e nos sentirmos nutridos por ele. É ela que nos faz fechar os olhos ao provar uma fruta madura, sentindo cada nota de seu sabor. É o arrepio que uma melodia provoca, a textura de uma página de um livro antigo, o cheiro da terra molhada. A sensualidade é a arte de permitir que a vida nos toque, e essa é uma função essencial da psique em sua jornada de individuação – o processo de se tornar quem realmente somos, em nossa totalidade.

Reduzir essa vasta experiência à genitalidade é como olhar para um oceano e ver apenas uma única onda. A sexualidade é uma parte importante da nossa força vital, o que Jung chamava de libido – não apenas no sentido freudiano de energia sexual, mas como uma energia psíquica geral, um anseio pela vida. No entanto, a força arquetípica que rege a conexão verdadeira é Eros.

Eros é o deus grego do amor, mas para a psicologia profunda, ele é o princípio cósmico da relação, da conexão, da criatividade. A sexualidade é uma de suas manifestações mais potentes, mas Eros dança em todos os lugares: na amizade profunda, na paixão pela arte, na conexão com a natureza, na centelha de uma nova ideia. Negar a amplitude de Eros em favor de uma sexualidade puramente instintiva é deixar a alma faminta.

O Conto da Alma e do Amor: Eros e Psiquê

Nenhum mito ilustra melhor essa jornada da sexualidade inconsciente para a sensualidade integrada do que a história de Eros e Psiquê.

Psiquê, uma mortal de beleza estonteante, se apaixona por Eros, o deus do amor, a quem ela não pode ver. Seus encontros acontecem na escuridão total de seu palácio. Ali, ela vive uma união puramente sensorial e instintiva, cheia de paixão, mas desprovida de consciência. Ela sente o amor, mas não conhece o amado. Isso é a sexualidade em seu estado primordial, um encontro de corpos no escuro, sem o rosto da alma.

Movida pela dúvida e pelo anseio de conhecer, Psiquê acende uma lamparina para finalmente ver o rosto de Eros. Esse ato de trazer luz à escuridão é o despertar da consciência. É a alma (Psiquê) dizendo: "Não me basta sentir, eu preciso saber, preciso me relacionar com o todo de você". Esse ato, porém, quebra o encanto. Eros, ferido pela desconfiança (e uma gota de óleo quente), a abandona.

A jornada de Psiquê a partir daí é a verdadeira jornada da sensualidade: ela precisa realizar tarefas impossíveis, que simbolizam o árduo trabalho de individuação. Ela precisa separar sementes (diferenciar seus valores), buscar o velocino de ouro (confrontar sua agressividade e poder), e até descer ao submundo (enfrentar sua própria Sombra). Ao fazer isso, ela não está mais apenas vivendo o amor passivamente; ela está ativamente se tornando digna dele. Ela está integrando seu instinto com sua consciência.

O reencontro final e o casamento de Eros e Psiquê no Olimpo simbolizam o Hieros Gamos, o casamento sagrado interior. É a união da alma com o amor, do corpo com a consciência, da sexualidade com a sensualidade. É quando o amor deixa de ser um ato cego na escuridão para se tornar uma comunhão plena, à luz do dia, onde ambos os parceiros se veem e se reconhecem em sua totalidade.

O Amor, o Poder e a Alma

Essa distinção é crucial para a qualidade de nossas relações e de nossa vida. Quando presos a uma visão limitada, a conexão pode se tornar um campo de batalha pelo poder. É sobre essa dinâmica que Jung nos alerta: 

"Onde o amor impera, não há desejo de poder; e onde o poder predomina, há falta de amor. Um é a sombra do outro."(JUNG, C.G. Tipos Psicológicos)

A sensualidade, ao nos conectar com a totalidade do ser (nosso e do outro), nos alinha com Eros, com o amor que une. Uma sexualidade desalmada, por outro lado, pode facilmente se tornar uma expressão da vontade de poder, uma forma de conquista ou de alívio de tensão que ignora a alma presente no outro corpo.

Então, como despertar essa força adormecida?

Comece pequeno. Pergunte a si mesmo: quando foi a última vez que você realmente sentiu o sabor da sua comida? Ou a sensação da água no seu corpo, não como uma tarefa, mas como uma experiência? Permita-se ser tocada pela beleza, seja ela qual for. Ouça a música que faz sua alma vibrar. Dance. Pinte. Caminhe descalça na grama.

Ao cultivar a sensualidade, você não está apenas se tornando mais "sexy". Você está se tornando mais vivo. Você está nutrindo sua psique, honrando o mistério do seu corpo e abrindo espaço para que Eros e Psiquê dancem juntos, em plena luz, dentro de você. E essa, é a mais bela forma de amor próprio e de se conectar verdadeiramente com o mundo.


Dra Marina Xavier

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