O Sofrimento que Você Vê e o Sofrimento que Eu Nunca Te Falei
“Nada que foi reprimido deixa de existir; apenas muda de forma.”— Sigmund Freud
Há dores que não têm nome — apenas presença. Elas se insinuam nos gestos contidos, nas respostas automáticas, no sorriso que tenta proteger o que a alma ainda não pode confessar. São dores antigas, herdadas, condensadas no corpo, costuradas no inconsciente como cicatrizes que ainda latejam em silêncio.
Ela vivia entre dois mundos: o sofrimento visível, socialmente tolerado, e o sofrimento secreto, aquele que habita as camadas mais primitivas do ser, onde a linguagem ainda não chegou. E é nesse território invisível que a psique esconde suas verdades mais íntimas — não para nos punir, mas para nos convocar à escuta.
Freud chamou esse fenômeno de retorno do recalcado: o exílio psíquico das emoções que a consciência julgou perigosas demais para existir. O que é reprimido não morre — apenas se transforma em sintoma, ansiedade, cansaço, lapsos e ausências.
Para Jung, o mesmo movimento toma a forma da Sombra, esse espaço sombrio e fértil onde repousam tudo aquilo que fomos obrigados a negar para sobreviver. É o território do indizível, do pulsional, daquilo que um dia tentamos esquecer e que hoje pede integração.
Ela, como tantos, caminhava sobre essa fronteira tênue: o ego lutando por controle, e o inconsciente sussurrando segredos que pediam tradução simbólica. O que chamavam de fragilidade, talvez fosse apenas a alma tentando emergir.
Freud dizia que o sintoma é um compromisso entre o desejo e a defesa. Ele é o meio que o inconsciente encontra para se fazer ouvir quando a palavra falha. Toda dor, portanto, é uma linguagem cifrada — uma tentativa de comunicação daquilo que a mente não conseguiu simbolizar.
“Aquilo a que resistimos, persiste. Aquilo que aceitamos, transforma.”— C. G. Jung
O sintoma é o rastro do desejo esquecido, o eco de uma emoção não vivida. E o que ela sentia — essa angústia tão delicada quanto devastadora — não era fraqueza, mas um convite à escuta, um chamado à reconciliação entre o consciente e o inconsciente. O sofrimento, quando escutado, revela não apenas o trauma, mas a semente de uma nova consciência.
Sair dessa condição não é eliminar a dor, mas dar-lhe sentido. A cura nasce no instante em que o sujeito decide descer ao próprio abismo e fazer das trevas matéria de criação. É nesse mergulho simbólico que o “eu” encontra sua própria imagem partida e a recompõe, não como era antes, mas como poderia ser.
A cura emocional não vem da fuga, mas da permanência — do gesto amoroso de quem permanece diante daquilo que dói. É permitir que o inconsciente fale por meio dos sonhos, dos lapsos, das lágrimas. É devolver ao corpo o direito de sentir, e à palavra o poder de redimir o que o silêncio sufocou.
E então, o sofrimento, antes peso e prisão, se converte em ponte entre o ego e a alma. Aquilo que era sintoma, torna-se símbolo. Aquilo que antes era sombra, torna-se luz.
Integração e Reconhecimento
Freud buscava libertar o sujeito de seus sintomas; Jung, reconciliar o sujeito com sua totalidade. São movimentos complementares: um verticaliza o olhar sobre o trauma, o outro amplia o horizonte da alma.
Entre o luto e o renascimento, ela descobriu que sofrer conscientemente é um ato de coragem. Porque o sofrimento que você vê — o cansaço, o desânimo, o choro contido — é apenas a superfície. Mas o sofrimento que eu nunca te falei é o laboratório interno da minha transformação, o útero escuro onde germina a consciência.
É no reconhecimento de si, entre sombras e claridades, que nasce o verdadeiro processo de individuação — o reencontro da alma com o seu próprio centro.
Talvez o maior ato de amor próprio não seja se curar depressa, mas habitar o próprio sofrimento com ternura e escuta. Não apressar o tempo, não negar o sentir, não fugir do que se repete.
O inconsciente fala, sempre. E quando finalmente o ouvimos — sem medo, sem julgamento — ele deixa de nos ferir para começar a nos guiar.
- Freud, S. (1917). Luto e Melancolia.
- Freud, S. (1923). O Ego e o Id.
- Jung, C. G. (1951). Aion: Estudos sobre o Simbolismo do Si-mesmo.
- Jung, C. G. (1938). A Psicologia do Inconsciente.
- Neumann, E. (1954). A Origem e História da Consciência.
- Hillman, J. (1975). O Código do Ser.
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